Papa Academia para a Vida: a utopia do "neutro" remove a dignidade humana
Cidade
do Vaticano (RV) – A série de audiências do Santo Padre na manhã desta
quinta-feira se encerrou com o encontro com os participantes da Assembléia
Geral dos Membros da Pontifícia Academia para a Vida.
No
seu discurso aos presentes o Papa partiu do tema da Assembleia: “Acompanhar a vida. Novas
responsabilidades na era tecnológica”. Francisco afirmou que é
um tema desafiador mas ao mesmo tempo necessário, pois o mesmo aborda o
entrelaçamento de oportunidades e criticidades que interpela o humanismo
planetário, em referência aos recentes desenvolvimentos tecnológicos das
ciências da vida. O poder das biotecnologias que permite manipulações da vida
até ontem impensáveis, apresenta enormes problemas.
É
urgente, portanto, - disse o Santo Padre -, intensificar o estudo e o confronto
sobre os efeitos de tal evolução da sociedade no sentido tecnológico para
articular uma síntese antropológica que esteja à altura deste desafio do nosso
tempo.
A
área da competência de vocês – disse o Papa - não pode, portanto, ser limitada
a resolver problemas apresentados por situações específicas de conflito ético,
social ou legal. A inspiração de condutas coerentes com a dignidade humana diz
respeito à teoria e à prática da ciência e da técnica em sua abordagem em
relação à vida, ao seu sentido e valor. E foi nesta perspectiva, que o Papa
ofereceu-lhe uma reflexão.
Antes
de tudo as perguntas, novas e antigas, sobre o sentido da vida, sobre sua
origem e seu destino.
O
traço emblemático desta passagem pode ser brevemente reconhecido na rápida
disseminação de uma cultura obsessivamente centrada na soberania do homem -
enquanto espécie e enquanto indivíduo - em relação à realidade. Há aqueles que até falam de
“egolatria”, isto é, de uma verdadeira adoração do ego, em cujo altar se
sacrifica tudo, inclusive os afetos mais queridos. Esta
perspectiva não é inofensiva – continuou Francisco - : ela plasma um sujeito
que olha constantemente para o espelho, até se tornar incapaz de dirigir o
olhar para os outros e para o mundo. A difusão desta atitude tem sérias
conseqüências para todas as suas afeições e laços da vida.
Infelizmente,
homens, mulheres e crianças de todo o mundo experimentam com amargura e dor as
promessas ilusórias deste materialismo tecnocrático. Também porque, em
contradição com a propaganda de um bem-estar que se espalharia automaticamente
com a expansão do mercado, se ampliam, ao invés os territórios da pobreza e do
conflito, do desperdício e do abandono, do ressentimento e do desespero. Um
autêntico progresso científico e tecnológico deveria inspirar políticas mais
humanas.
O
mundo precisa de crentes que, com seriedade e alegria, sejam criativos e
propositivos, humildes e corajosos, resolutamente decididos a recompor a
fratura entre as gerações. Essa fratura interrompe a transmissão da vida. Dela
se exaltam os entusiasmos potenciais: mas quem os orienta para o cumprimento da
idade adulta? A condição adulta é uma vida capaz de responsabilidade e amor,
seja em direção da geração futura seja em direção daquela passada. A vida dos
pais e das mães em idade avançada, se espera, seja honrada pelo que
generosamente deu, não ser descartada por aquilo que não tem mais.
A
fonte de inspiração para essa retomada de iniciativa, mais uma vez – disse o
Papa – é a Palavra de Deus, que ilumina a origem da vida e o seu destino.
Uma
teologia da Criação e da Redenção que saiba se traduzir em palavras e gestos do
amor por cada vida e por toda a vida é hoje mais do que nunca necessária para
acompanhar o caminho da Igreja no mundo que vivemos. Francisco disse que a
Encíclica Laudato si é como um manifesto dessa retomada do olhar de Deus e do
homem sobre o mundo, a partir da grande narração de revelação que nos é oferecido
nos primeiros capítulos do Livro do Gênesis.
Essa
narração – continuou o Papa -, diz que cada um de nós é uma criatura desejada e
amada por Deus por si mesma, e não somente uma montagem de células bem
organizada e selecionada no decurso da evolução da vida. Toda a criação está
inscrita no especial amor de Deus pela criatura humana, que se estende a todas
as gerações de mães, pais e seus filhos.
A
benção divina da origem e a promessa de um destino eterno, que são o fundamento
da dignidade de cada vida, são de todos e para todos. Os homens, as mulheres,
os filhos da terra – desses são feitos os povos - são a vida do mundo que Deus
ama e quer levar à salvação, sem excluir ninguém.
O
relato bíblico da Criação - disse Francisco - precisa ser sempre reeleito
para apreciar toda a amplitude e profundidade do gesto do amor de Deus que
confia à aliança do homem e da mulher a criação e a história.
A
aliança do homem e da mulher é chamada a tomar em suas mãos a direção de toda a
sociedade. Este é um convite à responsabilidade pelo mundo, na cultura e na
política, no trabalho e na economia; e também na Igreja. Não se trata apenas de
oportunidades iguais ou de reconhecimento recíproco. Trata-se, sobretudo, de
compreensão dos homens e das mulheres sobre o significado da vida e sobre o
caminho dos povos. O homem e a mulher são chamados não apenas a falar-se de
amor, mas a falar-se com amor, do que eles devem fazer para que a convivência
humana se realize na luz do amor de Deus por cada criatura.
Em
síntese, é uma verdadeira e própria revolução cultural que está ao horizonte da
história deste tempo. E a igreja, por primeira, deve fazer a sua parte.
Nesta
perspectiva, trata-se antes de tudo de reconhecer honestamente os “atrasos e as
faltas”. As formas de subordinação que tristemente marcaram a história das
mulheres devem definitivamente ser abandonadas. Um novo começo deve ser escrito
no “ethos” dos povos, e isso pode fazê-lo uma renovada cultura da identidade e
da diferença.
A
hipótese recentemente avançada de reabrir o caminho para a dignidade da pessoa
neutralizando radicalmente a diferença sexual e, portanto, a compreensão do
homem e da mulher não é correta. Em vez de contrastar as interpretações
negativas da diferença sexual, que mortificam seu valor irredutível para a
dignidade humana, se deseja cancelar o fato de tal diferença, propondo técnicas
e práticas que a tornam irrelevante para o desenvolvimento da pessoa e para as
relações humanas. Mas a utopia do "neutro", remove seja a dignidade
humana da constituição sexualmente diferente, seja a qualidade pessoal da
transmissão generativa da vida. A manipulação biológica e psíquica da diferença
sexual, que a tecnologia biomédica permite vislumbrar como totalmente disponível
à escolha da liberdade - enquanto não o é! – corre o risco assim de desmontar a
fonte de energia que alimenta a aliança do homem e da mulher e a torna criativa
e fecunda.
Ocorre
aceitar o desafio apresentado pela intimidação exercitada no confronto da
geração da vida humana, quase como se fosse uma mortificação da mulher e uma
ameaça ao bem-estar coletivo.
A
aliança geradora do homem e da mulher é uma vantagem para o humanismo
planetário dos homens e das mulheres, não uma desvantagem. A nossa história não
será renovada se rejeitarmos essa verdade.
A
paixão pelo acompanhamento e cuidado da vida, ao longo de todo o arco de sua
história individual e social, exige a reabilitação de um “ethos” da compaixão
ou da ternura pela geração e regeneração do humano na sua diferença.
Trata-se,
antes de tudo, de reencontrar sensibilidade pelas “diversas idades da vida”,
especialmente pelas das crianças e dos idosos. Tudo nelas é delicado e frágil
neles, vulnerável e corruptível, não é uma questão que deve se referir apenas à
medicina e o bem-estar. Estão em jogo partes da alma e da sensibilidade humana
que pedem para ser ouvidas e reconhecidas, preservadas e apreciadas por cada
indivíduo e pela comunidade. Uma sociedade na qual tudo isso só pode ser
comprado e vendido, burocraticamente regulado e tecnicamente predisposto, é uma
sociedade que já perdeu o sentido da vida.
O
testemunho da fé na misericórdia de Deus é condição essencial para a circulação
da verdadeira compaixão entre as diversas gerações.
O
Papa enfim agradeceu o trabalho da renovada Pontifícia Academia para a Vida,
salientando que com compreende que o mesma é difícil mas entusiasmante. (SP)
Fonte: (from Vatican Radio)