O risco da Reforma da Previdência para as Entidades Filantrópicas
Em artigo publicado esta semana na internet e
em jornais do país, o advogado da Associação Nacional de Educação Católica do
Brasil (ANEC), Hugo Sarubbi Cysneiros de Oliveira, faz uma análise da reforma
da Previdência proposta pelo atual governo brasileiro, no que concerne ao
pensamento de alguns parlamentares sobre as entidades popularmente chamadas de
filantrópicas.
Para o advogado, houve, por parte destes, um
“inexplicável ataque à sociedade”.
Confira o artigo na íntegra.
O risco da Reforma da
Previdência para as Entidades Filantrópicas. Um inexplicável ataque contra a
sociedade!
Por Hugo Sarubbi Cysneiros
de Oliveira,
advogado da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil – ANEC
advogado da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil – ANEC
Alguns intrigantes pronunciamentos de
Parlamentares diretamente envolvidos com o trâmite da PEC 287/2016 (a da
Reforma da Previdência) dão a entender que alguns enxergam nos “privilégios
fiscais” dados às entidades certificadas beneficentes de assistência social
(popularmente chamadas de filantrópicas) uma das razões do tal “déficit
previdenciário”.
Querendo acreditar na boa-fé de quem assim se
pronuncia, resta imaginar que essa impressão – de tão desarrazoada e
objetivamente atentatória às evidências – decorre do completo desconhecimento
do dito setor “filantrópico”, aliado à desinformação quanto às vantagens
(inclusive financeiras) que o Estado nutre em sua relação com as entidades
certificadas.
Assim, o anunciado ataque das autoridades às
entidades certificadas beneficentes de assistência social por meio da Reforma
da Previdência constituirá um irresponsável “tiro no pé”, sem precedentes,
cujos prejuízos agravarão ainda mais o vulnerável e ineficiente sistema estatal
de amparo socioassistencial.
Recentemente, foram divulgados os resultados
de duas pesquisas que, de maneiras distintas, se preocuparam com a “entrega”
realizada pelas entidades educacionais e com o “valor” do que é apresentado ao
final do processo.
Explica-se, desde já, que as expressões
“entrega” e “valor” aqui são utilizadas deliberadamente em um sentido comumente
visto no meio corporativo. Em sintética e simplificadíssima ilustração, a
primeira refere-se ao resultado final alcançado, seja do bem fornecido, seja do
serviço prestado; já a segunda contempla aspectos tangíveis e intangíveis do
que foi entregue.
Assim, os dados revelados pelo Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem) e pela pesquisa “A contrapartida do setor filantrópico
para o Brasil”, promovida pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas
(FONIF), escancaram a diferença abissal que há entre as instituições públicas e
privadas educacionais (pelo menos em tal nível de ensino) e apontam para a
continuidade – com viés de subida – da distância vista neste penhasco que
separa os dois setores. Reforça-se, desse modo, a necessidade de uma profunda
reflexão sobre o que a sociedade brasileira está disposta a fazer para, de uma
vez por todas, justificar com ações concretas o histórico discurso em prol da
educação.
Como já salientado, os levantamentos são
distintos, seguem metodologias e propósitos igualmente diferentes, mas – na
prática – atestam que é do setor privado o protagonismo nas melhorias da
“entrega” e do “valor” percebidos na missão de educar neste país.
Todos sabemos que, lamentavelmente, o gargalo
diagnosticado (e que, diga-se de passagem, não representa nenhuma maior
surpresa) é ainda mais cruel para aqueles que sequer imaginam ter acesso ao
setor privado por meios próprios de financiamento.
Apenas para fins de lembrança, pelos dados do
Enem 2015, entre as 100 primeiras escolas colocadas no ranking, 97 são privadas
e 3 públicas (todas três federais, inclusive). Já entre as 1.000 melhor
posicionadas, apenas 49 são públicas (performance que piorou se comparada com o
ranking de 2014, pois lá foram 93).
Assim, a pergunta que se impõe é: que alento
pode ter uma família de escassos recursos na busca de uma educação de qualidade
para seus filhos no Brasil?
Aos menos favorecidos não restam muitas
opções: ou são contemplados com uma vaga nas raríssimas escolas públicas que
conseguem manter um padrão aceitável de ensino, ou encontram em instituições
privadas bolsas integrais ou parciais que tornam alcançável o acesso a uma
educação de qualidade.
Os números são sintomáticos: no Brasil, falar
em escolas privadas com políticas institucionais perenes de atendimento a
alunos bolsistas – mormente em razão do perfil socioeconômico – significa
pensar, em sua gigantesca maioria, nas instituições sem finalidade de lucro.
Além disso, falar em escolas sem finalidade de lucro neste país implica em
mencionar – também em sua maioria – instituições confessionais. Finalmente,
tratar de escolas sem finalidade lucrativa no Brasil – confessionais ou não –
culmina em falar nas entidades certificadas (comumente chamadas de
filantrópicas).
A pesquisa do FONIF joga luzes na “entrega” e
no “valor” alcançados pelas entidades certificadas, mostrando que os benefícios
gerados pelos serviços prestados pelas instituições que se valem de tal
política suplantam, e muito, a aparente renúncia fiscal do poder público. Em
números frios, é um “ótimo negócio” para cofres estatais abrir mão de uma
determinada cifra, pois esse mesmo Estado recebe de retorno o mesmo valor
multiplicado e já aplicado em sua devida finalidade.
Realizada pela DOM Strategy Partners, segundo
a metodologia Intangible Assets Management (IAM), a referida pesquisa
(valendo-se de dados divulgados pelo próprio governo federal) mostra, em
apertada síntese, que, para cada R$ 1,00 (um real) não recolhido em razão da imunidade
das filantrópicas, R$ 5,92 (cinco reais e noventa e dois centavos) são
devolvidos sob forma de serviços e benefícios à sociedade.
São mais de 2,2 milhões de jovens que têm a
chance de estudar em instituições filantrópicas reconhecidas pelos mais rigorosos
rankings e avaliações do país, sendo 600mil deles bolsistas, da educação básica
à superior; na área da assistência social, o setor filantrópico responde por
62,87% das vagas privadas ofertadas (com atendimentos 100% gratuitos); na
saúde, 53% dos atendimentos SUS são realizados pelas Santas Casas e hospitais
filantrópicos, que, aliás, representam a única opção de atendimento em 990
municípios do Brasil.
Enfim, trata-se de um setor que reúne quase
9.000 entidades certificadas – rigidamente já fiscalizadas pelo poder público
por meio relatórios e auditorias em suas contas, que realizam cerca de 161
milhões de atendimentos anuais e geram 1,3 milhões de empregos.
Em suma, para além do emblemático argumento
de que a imunidade das contribuições sociais e dos impostos é conferida a tais
entidades por força de mandamento constitucional, é fundamental lembrar que tal
desoneração não se dá sem contrapartidas.
Não se trata de nenhuma espécie de
privilégio! Ao contrário do que ocorre com outras espécies de desonerações que
atingem os chamados cofres do sistema da Previdência Social, tem-se aqui uma
renúncia (constitucionalmente prevista, é bom lembrar) que representa 3% da
arrecadação total previdenciária, cerca de 10 bilhões de reais, que se revertem
em quase 60 bilhões de serviços prestados aos mais necessitados!
Ocorre que, em tempos de crise, esta
acompanhada de uma aguda diminuição da arrecadação fiscal, os atores
governamentais parecem se mostrar cada vez menos sensíveis aos resultados de
quaisquer outras políticas que não a fazendária.
É frustrante perceber que os Ministérios
certificadores (das áreas da educação, da saúde e da assistência social) cedem
espaço para o imediatismo míope das razões e das prioridades dos agentes
arrecadadores.
Paralelamente ao fato de que o Estado insiste
em se valer de um aparato normativo cuja inconstitucionalidade é flagrante
(vide os votos já emanados nas ADI´s em curso), não há como ignorar a evidente
lógica financeira/fazendária/arrecadatória que norteia as políticas públicas
socioassistenciais.
Quando, por exemplo, lembramos que ainda
pende de regulamentação o cômputo dos benefícios complementares previstos na
lei nº 12.868/2013; ou que os números de indeferimentos de renovação ou
concessão dos Certificados de Entidades Beneficentes (CEBAS), tendo por lastro
motivações absolutamente nebulosas – ainda que supostamente técnicas –
multiplicam-se dia-a-dia; ou que os sistemas eletrônicos de registro de dados
simplesmente não funcionam; ou que as tais “calculadoras” não ficam prontas; ou
que as entidades esperam anos pelas respostas de seus processos
administrativos; ou, ainda, que o Estado patrocinou o processo legislativo que
tornou irretroativos os efeitos da emissão do CEBAS (uma tremenda injustiça!),
há muitos motivos para se preocupar.
As entidades têm se esmerado em adotar as
melhores práticas de transparência na gestão de suas atividades, clamam por
diálogo com as autoridades públicas, são testemunhas de que sua missão maior é
a de construir uma sociedade mais justa e solidária, mas obviamente dependem de
uma via de mão dupla para atingir tais objetivos.
Que os números das recentes pesquisas acima
mencionadas inspirem as autoridades a perceber que não é pela via da
intimidação e do enfr aquecimento das instituições privadas, em especial das
filantrópicas certificadas, que as crianças do nosso país se verão melhor
acolhidas e com melhores perspectivas.
Usar a Reforma da Previdência como braço
forte da sanha arrecadatória do Estado, às custas da inviabilização do
funcionamento das entidades certificadas beneficentes de assistência social,
pode até ser um expediente que atenda a determinados e camuflados interesses,
mas é certo que não coincide com as necessidades dos carentes e dos desassistidos,
que apenas contam as “filantrópicas” para aceder a serviços educacionais, de
saúde e a projetos e programas socioassistenciais.
Fonte:
www.arquidioceseolindarecife.org
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