TEXTOS PATRISTICOS: SEGUNDA SEMANA DA QUARESMA
Domingo
Segunda leitura
Dos Sermões de São Leão Magno, papa (Séc.V)
Por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a
verdade nos chegaram através de Jesus Cristo
O Senhor manifesta a sua glória na presença de
testemunhas escolhidas, e de tal modo fez resplandecer o seu corpo, semelhante
ao de todos os homens, que seu rosto se tornou brilhante como o sol e suas
vestes brancas como a neve.
A principal finalidade dessa transfiguração era afastar
dos discípulos o escândalo da cruz, para que a humilhação da paixão,
voluntariamente suportada, não abalasse a fé daqueles a quem tinha sido
revelada a excelência da dignidade oculta de Cristo. Mas, segundo um desígnio
não menos previdente, dava-se um fundamento sólido à esperança da santa Igreja,
de modo que todo o Corpo de Cristo pudesse conhecer a transfiguração com que
ele também seria enriquecido, e os seus membros pudessem contar com a promessa
da participação daquela glória que primeiro resplandecera na Cabeça.
A esse respeito, o próprio Senhor dissera, referindo-se à
majestade de sua vinda: Então os justos brilharão como o sol
no Reino de seu Pai (Mt 13,43). E o apóstolo Paulo declara
o mesmo, dizendo: Eu entendo que os sofrimentos do tempo presente nem
merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós (Rm
8,18). E ainda: Vós
morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus. Quando Cristo,
vossa vida, aparecer, então vós aparecereis também com ele, revestidos de
glória (Cl
3,3-4).
Entretanto, aos apóstolos que deviam ser confirmados na
fé e introduzidos no conhecimento de todos os mistérios do Reino, esse prodígio
ofereceu ainda outro ensinamento.
Moisés e Elias, isto é, a Lei e os Profetas, apareceram
conversando como Senhor, a fim de cumprir-se plenamente, na presença daqueles
cinco homens, o que fora dito: Será digna de fé toda palavra
proferida na presença de duas ou três testemunhas (cf.
Mt18,16).
Que pode haver de mais estável e mais firme que esta
palavra? Para proclamá-la, ressoa em uníssono a dupla trombeta do Antigo e do
Novo Testamento, e os testemunhos dos tempos passados concordam com o
ensinamento do Evangelho.
Na verdade, as páginas de ambas as alianças confirmam-se
mutuamente; e o esplendor da glória presente mostra, com total evidência,
Aquele que as antigas figuras tinham prometido sob o véu dos mistérios. Porque,
como diz João, por
meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de
Jesus Cristo (Jo
1,17). Nele cumpriram-se integralmente não só a promessa das figuras
proféticas, mas também o sentido dos preceitos da lei; pois pela sua presença
mostra a verdade das profecias e, pela sua graça, torna possível cumprir os
mandamentos.
Sirva, portanto, a proclamação do santo Evangelho para
confirmar a fé de todos, e ninguém se envergonhe da cruz de Cristo, pela qual o
mundo foi redimido.
Ninguém tenha medo de sofrer por causa da justiça ou
duvide da recompensa prometida, porque é pelo trabalho que se chega ao repouso,
e pela morte, à vida. O Senhor assumiu toda a fraqueza de nossa pobre condição
e, se permanecermos no seu amor e na proclamação do seu nome, venceremos o que
ele venceu e receberemos o que prometeu.
Assim, quer cumprindo os mandamentos ou suportando a
adversidade, deve sempre ressoar aos nossos ouvidos a voz do Pai, que se fez
ouvir, dizendo: Este
é o meu filho amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o (Mt
17,5).
Segunda
feira
Segunda leitura
Das Catequeses de São João Crisóstomo, bispo
(Séc.IV)
Moisés e Cristo
Os judeus viram milagres. Tu também verás maiores e mais
estupendos do que os do tempo em que os judeus saíram do Egito. Não viste o
Faraó afogado no mar com seu exército, mas viste o demônio tragado pelas ondas
com as suas armas. Os judeus passaram o Mar Vermelho, tu passaste para além da
morte. Eles foram libertados dos egípcios e tu, do poder dos demônios. Eles
escaparam da escravidão do estrangeiro e tu, escapaste da escravidão muito mais
triste do pecado.
Queres ainda mais provas de que foste honrado com favores
maiores? Os judeus não puderam contemplar o rosto resplandecente de Moisés, que
era homem como eles e servo do mesmo Senhor; tu, porém, viste a glória do rosto
de Cristo. E Paulo exclama: Todos nós, com o rosto descoberto,
contemplamos a glória do Senhor (2Cor 3,18).
Os judeus tinham Cristo que os seguia; mas agora ele nos
segue de modo muito mais real. Então o Senhor os acompanhava por causa de
Moisés; agora nos acompanha não só por causa de Moisés, mas também por nossa
obediência. Os judeus, depois do Egito, encontraram o deserto; tu, depois da
morte, encontrarás o céu. Em Moisés eles tinham um guia e chefe excelente; nós
temos como chefe e guia o novo Moisés, que é o próprio Deus.
Qual era a característica de Moisés? Moisés, diz a
Escritura, era um homem muito humilde, mais do que qualquer outro sobre a terra
(Nm12,3). Esta qualidade podemos sem erro atribuí-la ao nosso Moisés, porque é
assistido pelo suavíssimo Espírito que lhe é intimamente consubstancial.
Moisés, erguendo as mãos ao céu, fazia cair o maná, o pão dos anjos; o nosso
Moisés ergue as mãos ao céu e nos dá o alimento eterno. Aquele feriu a rocha e
fez brotar torrentes de água; este toca na mesa, a mesa espiritual, e faz
jorrar as fontes do Espírito. Por isso, a mesa está colocada no meio, como uma
fonte, para que de todos os lados acorram os rebanhos à fonte e bebam das águas
da salvação.
Uma vez que nos é dada uma tal fonte, um manancial de
vida tão abundante, uma vez que a nossa mesa está repleta de bens inumeráveis e
nos inunda com seus dons espirituais, aproximemo-nos de coração sincero e
consciência pura, para alcançarmos graça e misericórdia no tempo oportuno. Pela
graça e misericórdia do Filho único, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, por
quem e com quem seja dada ao Pai e ao Espírito, fonte de vida, a glória, a
honra e o poder, agora e para sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.
Terça
feira
Segunda leitura
Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho,
bispo (Séc.V)
A paixão de todo o corpo de Cristo
Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora
(Sl 140,1). Isto todos nós podemos dizer. Não sou eu que digo, é o Cristo total
que diz. Contudo, estas palavras foram ditas especialmente em nome do Corpo,
porque, quando Cristo estava neste mundo, orou como homem; orou ao Pai em nome
do Corpo; e enquanto orava, gotas de sangue caíram de todo o seu corpo. Assim
está escrito no Evangelho: Jesus rezava com mais insistência e seu suor
tornou-se como gotas de sangue (Lc 22,44). Que significa este
derramamento de sangue de todo o seu corpo, senão a paixão dos mártires de toda
a Igreja?
Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora. Quando
eu grito, escutai minha voz! (Sl 140,1). Julgavas ter acabado de vez
o teu clamor ao dizer: eu clamo por vós. Clamaste, mas não julgues que já
estejas em segurança. Se findou a tribulação, findou também o clamor; mas se a
tribulação da Igreja e do Corpo de Cristo continua até o fim dos tempos, não só
devemos dizer: eu
clamo por vós, socorrei-me sem demora; mas: Quando eu grito, escutai minha voz!
Minha oração suba a vós como incenso, e minhas mãos, como
oferta da tarde (Sl 140,2).
Todo cristão sabe que esta expressão continua a ser
atribuída à própria Cabeça. Porque, na verdade, foi ao cair da tarde daquele
dia, que o Senhor, voluntariamente, entregou na cruz sua vida, para retomá-la
em seguida. Também aqui estávamos representados. Com efeito, o que estava
suspenso na cruz foi o que ele assumiu da nossa natureza. Como seria possível
que o Pai rejeitasse e abandonasse algum momento seu Filho Unigênito, sendo
ambos um só Deus? Contudo, cravando nossa frágil natureza na cruz, onde o nosso
homem velho, como diz o Apóstolo, foi crucificado com Cristo (Rm 6,6), clamou
com a voz da nossa humanidade: Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste? (Sl
21,2).
Eis, portanto, o verdadeiro sacrifício vespertino: a
paixão do Senhor, a cruz do Senhor, a oblação da vítima salvadora, o holocausto
agradável a Deus. Esse sacrifício vespertino, ele o converteu, por sua
ressurreição, em oferenda da manhã. Assim, a oração que se eleva, com toda
pureza, de um coração fiel, é como o incenso que sobe do altar sagrado. Não há
aroma mais agradável a Deus: possa todos os fiéis oferecê-lo ao Senhor.
Por isso, o nosso homem velho – são
palavras do Apóstolo – foi crucificado com Cristo, para que seja
destruído o corpo do pecado, de maneira a não mais servirmos ao pecado (Rm
6,6).
Quarta
feira
Segunda leitura
Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Séc.II)
Através de figuras, Israel aprendia a temer a Deus e a
perseverar em seu serviço
Desde o princípio Deus criou o homem para lhe comunicar
seus dons; escolheu os patriarcas, para lhes dar a salvação; ia formando um
povo,para ensinar os ignorantes a seguir a Deus; preparava os profetas, para
acostumar os homens a serem morada do Espírito e a viverem em comunhão com
Deus. Ele, que não precisava de nada, oferecia a comunhão aos que dele
precisavam. Para os que lhe eram agradáveis, desenhava qual um arquiteto, o
edifício da salvação; aos que nada viam no Egito, ele mesmo servia de guia; aos
que andavam errantes no deserto, dava uma lei perfeita; aos que entravam na
terra prometida, concedia uma herança; enfim, para os que voltavam à casa do
Pai, matava o vitelo gordo e dava a melhor roupa. Assim, de muitas maneiras,
Deus ia preparando o gênero humano em vista da salvação
futura.
Eis por que João diz no Apocalipse: Sua
voz era como o fragor de muitas águas (Ap 1,15). Na verdade, são muitas as
águas do Espírito de Deus, porque é muita a riqueza e grandeza do Pai.
E, passando através de todas elas, o Verbo concedia
generosamente o seu auxílio a quantos lhe estavam submetidos, prescrevendo uma
lei adaptada e adequada a cada criatura.
Deste modo, dava ao povo as leis relativas à construção
do tabernáculo, à edificação do templo, à escolha dos levitas, aos sacrifícios
e oblações, às purificações e a todo o restante do serviço do altar.
Deus não precisava de nada disso, pois é desde sempre
rico de todos os bens, e contém em si mesmo a suavidade de todos os aromas e de
todos os perfumes, mesmo antes de Moisés existir.
Mas educava um povo sempre inclinado a voltar aos ídolos,
dispondo-o, através de muitas etapas, a perseverar no serviço de Deus. Por meio
das coisas secundárias chamava-o às principais, isto é, pelas figuras à
realidade, pelas temporais, às eternas, pelas carnais, às espirituais, pelas
terenas, às celestes, tal como foi dito a Moisés: Farás
tudo segundo o modelo das coisas que viste na montanha (Ex
25,40).
Durante quarenta dias, com efeito, Moisés aprendeu a
guardar as palavras de Deus, os sinais celestes, as imagens espirituais e as
figuras das coisas futuras. Paulo também disse: Bebiam
de um
rochedo espiritual que os acompanhava – e esse rochedo era Cristo (1Cor
10,4). E acrescenta ainda, depois de ter falado dos acontecimentos referidos na
Lei: Estas
coisas lhes aconteciam
em figura e foram escritas para nos admoestar e instruir, a nós que já chegamos
ao fim
dos tempos (1Cor
10,11).
Por meio dessas figuras, portanto, eles aprendiam a temer
a Deus e a perseverar em seu serviço.
E assim a Lei era para eles, ao mesmo tempo, norma de
vida e profecia das realidades futuras.
Quinta
feira
Segunda leitura
Dos Tratados sobre os Salmos, de Santo Hilário,
bispo (Séc.IV)
O verdadeiro temor do Senhor
Feliz és tu se temes o Senhor e trilhas seus caminhos (Sl
127,1). Todas as vezes que na Escritura se fala do temor do Senhor, nunca se
fala isoladamente, como se ele bastasse para a perfeição da nossa fé; mas vem
sempre acompanhado de muitas outras virtudes que nos ajudam a compreender sua
natureza e perfeição. Assim aprendemos desta palavra que disse Salomão no livro
dos Provérbios: Se
suplicares a inteligência e pedires em voz alta a prudência; se andares à sua
procura como ao dinheiro, e te lançares no seu encalço como a um tesouro, então
compreenderás o temor do Senhor (Pr 2,3-5).
Vemos assim quantos degraus é necessário subir para
chegar ao temor do Senhor.
Em primeiro lugar, devemos suplicar a inteligência, pedir
a prudência, procurá-la como ao dinheiro e nos lançarmos ao seu encalço como a
um tesouro. Então chegaremos a compreender o temor do Senhor.
Porque o temor, na opinião comum dos homens, tem outro
sentido. É a perturbação que experimenta a fraqueza humana quando receia sofrer
o que não quer que lhe aconteça. Este gênero de temor manifesta-se em nós pelo
remorso do pecado, pela autoridade do mais poderoso ou a violência do mais
forte, por alguma doença, pelo encontro com um animal feroz e pela ameaça de
qualquer mal.
Esse temor, por conseguinte, não precisa ser ensinado,
porque deriva espontaneamente de nossa fraqueza natural. Não aprendemos o que
se deve temer, mas são as próprias coisas temíveis que nos incutem o terror.
Pelo contrário, sobre o temor de Deus, assim está
escrito: Meus
filhos vinde agora e escutai-me: vou ensinar-vos o temor do Senhor Deus (Sl
33,12). Portanto, se o temor do Senhor é ensinado, deve-se aprender. Não nasce
do nosso receio natural, mas do cumprimento dos mandamentos, das obras de uma
vida pura e do conhecimento da verdade.
Para nós, todo o temor do Senhor está contido no amor, e
a caridade perfeita expulsa o temor. O nosso amor a Deus leva-nos a seguir os
seus conselhos, a cumprir os seus mandamentos e a confiar em suas promessas.
Ouçamos o que diz a Escritura: E agora, Israel, o que é que o
Senhor teu Deus te pede? Apenas que o temas e andes em seus caminhos; que ames
e guardes os mandamentos do Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda
a tua alma, para que sejas feliz (Dt 10,12-13).
Ora, os caminhos do Senhor são muitos, embora ele próprio
seja o Caminho. Pois, ele chama-se a si mesmo caminho, e mostra a razão porque
fala assim: Ninguém vai ao Pai senão por mim (Jo
14,6).
Devemos, portanto, examinar e avaliar muitos caminhos,
para encontrarmos, por entre os ensinamentos de muitos, o único caminho certo,
o único que nos conduz à vida eterna. Há caminhos na Lei, caminhos nos
profetas, caminhos nos evangelhos e nos apóstolos, caminhos nas diversas obras
dos mestres. Felizes os que andam por eles, movidos pelo temor do Senhor.
Sexta
feira
Segunda leitura
Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Séc.II)
A aliança do Senhor
No Deuteronômio, Moisés disse o seguinte ao povo: O
Senhor teu Deus firmou uma aliança no Horeb. Não foi com vossos pais que o
Senhor firmou esta aliança, mas convosco (Dt 5,2-3).
Por que não firmou a aliança com seus pais? Porque a lei
não foi feita para o justo (1Tm1,9). Ora, seus pais eram justos;
tinham o conteúdo do Decálogo gravado em seus corações e em suas almas, pois
amavam a Deus que os criara e abstinham-se de toda injustiça para com o
próximo. Não precisavam da advertência de uma lei escrita, porque tinham em si
mesmos a justiça da Lei.
Mas, quando essa justiça e esse amor para com Deus caíram
no esquecimento e se extinguiram no Egito, tornou-se necessário que Deus, em
sua grande bondade para com os homens, se manifestasse de viva voz.
Com seu poder fez sair seu povo do Egito, para que o
homem voltasse a ser discípulo e seguidor de Deus; e castigou os desobedientes,
a fim de que o povo não desprezasse o seu Criador.
Alimentou-o como maná, para que recebesse um alimento
espiritual, conforme disse também Moisés no Deuteronômio: Ele
te alimentou com o maná, que nem tu nem teus pais conheciam, para te mostrar
que nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor (Dt
8,3).
Deu ainda o mandamento do amor de Deus, e ensinou a
justiça para com o próximo, a fim de que o homem não fosse injusto nem indigno
de Deus. Assim, por meio do Decálogo, Deus preparava o homem para a sua amizade
e para a concórdia com o próximo. Era o homem que tirava proveito de tudo isso,
uma vez que Deus não tinha nenhuma necessidade do homem.
Efetivamente, tudo isso contribuía para a glória do
homem, dando o que lhe faltava, isto é, a amizade de Deus. Porém, isto nada
acrescentava a Deus, pois ele não tinha necessidade do amor do homem.
O homem é que precisava da glória de Deus, a qual de modo
algum poderia obter senão servindo a Deus. Por isso, Moisés lhe disse de novo: Escolhe,
pois, a vida, para que vivas, tu e teus descendentes, amando ao Senhor teu
Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a ele – pois é a tua vida e prolonga
os teus dias (Dt
30,19-20).
A fim de preparar o homem para esta vida, o Senhor
proclamou por si mesmo as palavras do Decálogo, para todos sem exceção; por
isso elas não foram abolidas por ocasião da sua vinda segundo a carne, mas
permanecem em vigor entre nós, desenvolvidas e amplificadas.
Quanto aos preceitos próprios da servidão, Deus
prescreveu-os separadamente ao povo, por intermédio de Moisés, adaptados à sua
educação e formação, conforme disse o próprio Moisés: Naquele
tempo, vos ensinei leis e decretos conforme o Senhor Deus me ordenou (cf.
Dt 4,5). Por isso, os preceitos, que implicavam a servidão e tinham o caráter
de sinais, foram abolidos pelo Senhor na Nova Aliança da liberdade. Mas os
preceitos naturais, que convêm a homens livres e são comuns a todos, foram
completados e aperfeiçoados, concedendo generosamente aos homens o dom de
conhecer a
Deus como Pai adotivo, amá-lo de todo o coração e seguir
seu Verbo sem se desviarem.
Sábado
Segunda leitura
Do Tratado sobre a fuga do mundo, de Santo Ambrósio,
bispo (Séc.IV)
Busquemos a Deus, único bem verdadeiro
Onde está o coração do homem está também o seu tesouro;
pois Deus não costuma negar o bem aos que lhe pedem.
Porque o Senhor é bom, e é bom, sobretudo para os que
nele esperam, unamo-nos a ele, permaneçamos com ele de toda a nossa alma, de
todo o coração e de todas as forças, para vivermos na sua luz, vermos a sua
glória e gozarmos da graça da felicidade eterna. Elevemos nossos corações para
esse bem, permaneçamos e vivamos unidos a ele, que está acima de tudo quanto
possamos pensar ou imaginar; e concede a paz e a tranqüilidade perpétuas, uma
paz que ultrapassa toda a nossa compreensão e sentimento.
É esse o bem que tudo penetra; todos vivemos nele e dele
dependemos; nada lhe é superior, porque é divino. Só Deus é bom e, portanto, o
que é bom é divino e o que é divino é bom; por isso se diz no salmo: Vós
abris a mão e todos se fartam de bens (Sl 103,28). É, com efeito, da bondade
de Deus que nos vêm todos os bens, sem nenhuma mistura de mal.
Esses bens são os que a Escritura promete aos fiéis,
dizendo: Comereis
dos bens da terra (Is
1,19).
Nós morremos com Cristo e trazemos em nosso corpo a morte
de Cristo, para que também a vida de Cristo se manifeste em nós. Portanto, já
não é a nossa própria vida que vivemos, mas a vida de Cristo: vida de
inocência, vida de castidade, vida de sinceridade e de todas as virtudes.
Também ressuscitamos com Cristo; vivamos, pois, unidos a ele, subamos com ele,
a fim de que a serpente não possa encontrar na terra o nosso calcanhar e
feri-lo.
Fujamos daqui. Podes fugir com o espírito, embora
permaneças com o corpo; podes ficar aqui e estar ao mesmo tempo junto do
Senhor, se teu coração estiver unido a ele, se teus pensamentos se fixarem
nele, se percorreres seus caminhos, guiado pela fé e não pelas aparências, se
te refugiares junto dele – que é nosso refúgio e nossa força, como disse Davi: Eu
procuro meu refúgio em vós, Senhor, que eu não seja envergonhado para sempre (Sl
70,1).
Já que Deus é o nosso refúgio, e Deus está nos céus e no
mais alto dos céus, é preciso fugir daqui para as alturas onde reina a paz,
onde repousaremos de nossas fadigas, onde celebraremos o banquete do grande
sábado, como disse Moisés: O repouso sabático da terra será
para vós ocasião de festim (Lv 25,6). Descansar em Deus e
contemplar as suas delícias é, na verdade, um banquete, cheio de alegria e
felicidade.
Fujamos como os cervos, para as fontes das águas. Que a
nossa alma sinta a mesma sede de Davi. Qual é esta fonte? Escuta o que ele diz: Em
vós está a fonte da vida (Sl 35,10). Diga minha alma a esta
fonte: Quando
terei a alegria de ver a face de Deus? (Sl 41,3). Porque a fonte é o próprio
Deus.
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