TEXTOS PATRÍSTICOS: PRIMEIRA SEMANA DA QUARESMA
Domingo
Segunda leitura
Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho,
bispo (Séc.V)
No Cristo fomos tentados e nele vencemos o demônio
Ouvi, ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração (Sl
60,2). Quem é que fala assim? Parece ser um só: Dos
confins da terra a vós eu clamo, e em mim o coração já desfalece (Sl
60,3). Então já não é um só, e, contudo é somente um, porque o Cristo, de quem
todos somos membros, é um só. Como pode um único homem clamar dos confins da
terra? Quem clama dos confins da terra é aquela herança a respeito da qual foi
dito ao próprio Filho: Pede-me e te darei as nações como herança e os
confins da terra por domínio (Sl 2,8).
Portanto, é esse domínio de Cristo, essa herança de
Cristo, esse corpo de Cristo, essa Igreja de Cristo, essa unidade que somos
nós, que clama dos confins da terra. E o que clama? O que eu disse acima: Ouvi,
ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração; dos confins da terra a vós eu
clamo. Sim, clamei a vós dos confins da terra, isto é, de toda parte.
Mas por que clamei? Porque em
mim o coração já desfalece. Revela com estas palavras que ele está presente
a todos os povos no mundo inteiro, não rodeado de grande glória, mas no meio de
grandes tentações. Com efeito, nossa vida, enquanto somos peregrinos neste
mundo, não pode estar livre de tentações, pois é através delas que se realiza nosso
progresso e ninguém pode conhecer-se a si mesmo sem ter sido tentado. Ninguém
pode vencer sem ter combatido, nem pode combater se não tiver inimigo e
tentações.
Aquele que clama dos confins da terra está angustiado,
mas não está abandonado. Porque foi a nós mesmos, que somos o seu corpo, que o
Senhor quis prefigurar em seu próprio corpo, no qual já morreu, ressuscitou e
subiu ao céu, para que os membros tenham a certeza de chegar também aonde a
cabeça os precedeu.
Portanto, o Senhor nos representou em sua pessoa quando
quis ser tentado por Satanás. Líamos á pouco no Evangelho que nosso Senhor
Jesus Cristo foi tentado pelo demônio no deserto. De fato, Cristo foi tentado
pelo demônio. Mas em Cristo também tu eras tentado, porque ele assumiu a tua
condição humana, para te dar a sua salvação; assumiu a tua morte, para te dar a
sua vida; assumiu os teus ultrajes, para te dar a sua glória; por conseguinte,
assumiu as tuas tentações, para te dar a sua vitória.
Se nele fomos tentados, nele também vencemos o demônio.
Consideras que o Cristo foi tentado e não consideras que ele venceu?
Reconhece-te nele em sua tentação, reconhece-te nele em sua vitória. O Senhor
poderia impedir o demônio de aproximar-se dele; mas, se não fosse tentado, não
te daria o exemplo de como vencer na tentação.
Segunda
feira
Segunda leitura
Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo (Séc.IV)
Manifestemos uns para com os outros a bondade do Senhor
Considera de onde te vem à existência, a respiração, a
inteligência, a sabedoria, e, acima de tudo, o conhecimento de Deus, a
esperança do reino dos céus e a contemplação da glória que, no tempo presente,
é ainda imperfeita como num espelho e em enigma, mas que um dia haverá de ser
mais plena e mais pura. Considera de onde te vem à graça de seres filho de
Deus, herdeiro com Cristo e, falando com mais ousadia, de teres também sido
elevado à condição divina. De onde e de quem vem tudo isso?
Ou ainda, – se quisermos falar de coisas menos
importantes e que podemos ver com os nossos olhos – quem te concedeu a
felicidade de contemplar a beleza do céu, o curso do sol, a órbita da lua, a
multidão dos astros e aquela harmonia e ordem que se manifestam em tudo isso como
uma lira afinada?
Quem te deu as chuvas, as lavouras, os alimentos, as
artes, a morada, as leis, a sociedade, a vida tranqüila e civilizada, a amizade
e a alegria da vida familiar?
De onde te vem poderes dispor dos animais, os domésticos
para teu serviço e os outros para teu alimento?
Quem te constituiu senhor e rei de todas as coisas que há
na face da terra?
E, porque não é possível enumerar uma a uma todas as
coisas, pergunto finalmente: quem deu ao homem tudo aquilo que o torna superior
a todos os outros seres vivos?
Porventura não foi Deus? Pois bem, agora, o que ele te
pede em compensação por tudo, e acima de tudo, não é o teu amor para com ele e
para com o próximo? Sendo tantos e tão grandes os dons que recebemos ou
esperamos dele, não nos envergonharemos de não lhe oferecer nem mesmo esta
única retribuição que pede, isto é, o amor? E se ele, embora sendo Deus e
Senhor, não se envergonha de ser chamado nosso Pai, poderíamos nós fechar o
coração aos nossos irmãos?
De modo algum, meus irmãos e amigos, de modo algum
sejamos maus administradores dos bens que nos foram concedidos pela graça
divina, a fim de não ouvirmos a repreensão de Pedro: “Envergonhai-vos, vós que
vos apoderais do que não é vosso; imitai a justiça de Deus e assim ninguém será
pobre”.
Não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas,
enquanto outros padecem necessidade, para não merecermos aquelas duras e
ameaçadoras palavras do profeta Amós: Tomai cuidado, vós que andais dizendo:
“Quando passará o mês para vendermos; e o sábado, para abrirmos nossos
celeiros?” (cf. Am 8,5).
Imitemos aquela excelsa e primeira lei de Deus, que faz
chover sobre os justos e os pecadores e faz o sol igualmente levantar-se para
todos; que oferece aos animais que vivem na terra a extensão dos campos, as fontes,
os rios e as florestas; que dá às aves a amplidão dos céus, e aos animais
aquáticos, a vastidão das águas; que proporciona a todos, liberalmente, os
meios necessários para a sua subsistência, sem restrições, sem condições, sem
fronteiras; que põe tudo em comum, à disposição de todos eles, com abundância e
generosidade, de modo que nada falte a ninguém. Assim procede a Deus para com
as suas criaturas, a fim de conceder a cada um os bens de que necessita segundo
a sua natureza e dignidade, e manifestar a todos a riqueza da sua bondade.
Terça
feira
Segunda leitura
Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano,
bispo e mártir (Séc.III)
Quem nos deu a vida também nos ensinou a orar
Os preceitos evangélicos, irmãos caríssimos, não são
outra coisa que ensinamentos divinos, fundamentos para edificar a esperança,
bases para consolidar a fé, alimento para revigorar o coração, guias para
mostrar o caminho, garantias para obter a salvação. Enquanto instruem na terra
os espíritos dóceis dos que crêem, eles os conduzem para o Reino dos céus.
Outrora quis Deus falar e fazer-nos ouvir de muitas
maneiras pelos profetas, seus servos. Mas muito mais sublime é o que nos diz o
Filho, a Palavra de Deus, que já estava presente nos profetas e agora dá
testemunho pela sua própria voz. Ele não manda mais preparar o caminho para
aquele que há de vir, mas vem, ele próprio, mostrar-nos e abrir-nos o caminho
para que nós, outrora cegos e imprevidentes, errantes nas trevas da morte,
iluminados agora pela luz da graça, sigamos o caminho da vida, sob a proteção e
guia do Senhor.
Entre as exortações salutares e os preceitos divinos com
que orienta seu povo para a salvação, o Senhor ensinou o modo de orar e nos
instruiu e aconselhou sobre o que havemos de pedir. Quem nos deu a vida, também
nos ensinou a orar com a mesma bondade com que se dignou conceder-nos tantos
outros benefícios, a fim de que, dirigindo-nos ao Pai com a súplica e oração
que o Filho nos ensinou, sejamos mais facilmente ouvidos.
Jesus havia predito que chegaria a hora em que os
verdadeiros adoradores adorariam o Pai em espírito e em verdade. E cumpriu o
que prometera. De fato, tendo nós recebido por sua graça santificadora o
Espírito e a verdade, podemos adorar a Deus verdadeira e espiritualmente
segundo os seus ensinamentos.
Pode haver, com efeito, oração mais espiritual do que
aquela que nos foi ensinada por Cristo, que também nos enviou o Espírito Santo?
Pode haver prece mais verdadeira aos olhos do Pai do que aquela que saiu dos
lábios do próprio Filho que é a Verdade? Assim, orar de maneira diferente da
que o Senhor nos ensinou não é só ignorância, mas também culpa, pois ele mesmo
disse: Anulais o mandamento de Deus a fim de guardar as vossas tradições (cf.
Mc 7,9).
Oremos, portanto, irmãos caríssimos, como Deus, nosso
Mestre, nos ensinou. A oração agradável e querida por Deus é a que rezamos com
as suas próprias palavras, fazendo subir aos seus ouvidos a oração de Cristo.
Reconheça o Pai às palavras de seu Filho, quando oramos.
Aquele que habita interiormente em nosso coração, esteja também em nossa voz; e
já que o temos junto ao Pai como advogado por causa de nossos pecados, digamos
as palavras deste nosso advogado quando, como pecadores, suplicarmos por nossas
faltas. Se ele disse que tudo o que pedirmos ao Pai em seu nome nos será dado
(cf. Jo 14,13), quanto mais eficaz não será a nossa súplica para obtermos o que
pedimos em nome de Cristo, se pedirmos com sua própria oração!
Quarta
feira
Segunda leitura
Das Demonstrações de Afraates, bispo (Séc.IV)
A circuncisão do coração
A lei e a aliança foram totalmente mudadas. Primeiramente
Deus substituiu o pacto com Adão por outro que estabeleceu com Noé; e ainda
estabeleceu outro com Abraão, substituindo-o depois por um novo, feito com
Moisés. Como a aliança mosaica não era observada, ao chegar a plenitude dos
tempos, Deus firmou uma aliança que não seria mais mudada. Com efeito, a Adão
Deus ordenara não comer da árvore da vida, a Noé dera o arco-íris, a Abraão, já
escolhido por causa da sua fé, deu mais tarde a circuncisão, como sinal
característico de seus descendentes; a Moisés deu o cordeiro pascal para ser
imolado como propiciação pelo povo.
Todas essas alianças eram diferentes umas das outras. Mas
a circuncisão que agrada ao autor de todas elas é aquela de que fala Jeremias:
Circuncidai o vosso coração (Jr 4,4). Pois se o pacto estabelecido por Deus com
Abraão foi firme, também este é firme e imutável e não seria possível
estabelecer depois outra lei, seja por parte dos que estão fora da Lei ou dos
que a ela estão submetidos.
O Senhor deu a lei a Moisés, com todas as suas
observâncias e preceitos; como não cumpriram, anulou a lei e seus preceitos e
prometeu fazer uma nova aliança, que seria como disse, diferente da primeira,
embora fosse um só o doador de ambas. E é esta a aliança que prometeu dar:
Todos se reconhecerão do menor ao maior deles (Jr 31,34). Nessa aliança não há
mais a circuncisão da carne como sinal de pertença a seu povo.
Sabemos com certeza, caríssimos irmãos, que durante
várias gerações Deus estabeleceu leis que estiveram em vigor enquanto foi de
seu agrado, e que mais tarde caíram em desuso, como disse o Apóstolo: “No
passado, o reino de Deus assumiu formas diversas, segundo os diversos tempos”.
O nosso Deus é veraz e os seus preceitos são
fidelíssimos. Por isso, cada uma das alianças foi em seu tempo firme e
verdadeira. Agora, os circuncisos de coração têm a vida por meio da nova
circuncisão que se realiza no verdadeiro Jordão, isto é, por meio do batismo
para a remissão dos pecados.
Josué, filho de Nun, com uma faca de pedra circuncidou o
povo pela segunda vez, quando ele e seu povo atravessaram o rio Jordão. Jesus,
nosso Salvador, circuncidou pela segunda vez, com a circuncisão do coração, os
povos que nele creram purificados pelo batismo e circuncidados com a espada que
é a palavra de Deus, mais cortante do que qualquer espada de dois gumes (Hb
4,12).
Josué, filho de Nun, introduziu o povo na terra da
promissão; Jesus, nosso Salvador, prometeu a terra da vida a todos que
atravessassem o Jordão, cressem nele e fossem circuncidados no coração.
Felizes, portanto, os que foram circuncidados em seu
coração e renasceram das águas da segunda circuncisão! Estes receberão a
herança prometida, juntamente com Abraão, guia fiel e pai de todos os povos,
porque a sua fé lhe foi atribuída como justiça.
Quinta
feira
Segunda leitura
Das Homilias de Santo Astério de Amaséia, bispo (Séc. V)
Imitemos o exemplo de Cristo como pastor
Se quereis parecer-vos com Deus porque fostes criados à
sua imagem, imitai o seu exemplo. Se sois cristãos, nome que já é uma
proclamação de caridade, imitai o amor de Cristo.
Considerai as riquezas de sua bondade. Estando para vir
como homem ao meio dos homens, enviou à sua frente João, como pregoeiro e
exemplo de penitência; e antes de João, tinha enviado todos os profetas para
ensinarem aos homens o arrependimento, à volta ao bom caminho e a conversão a
uma vida melhor.
Vindo, pouco depois, ele mesmo em pessoa, proclamou coma
sua voz: Vinde a mim, todos vós que estais cansados e fatigados e eu vos darei
descanso (Mt 11,28). Como acolheu ele os que ouviram a sua voz? Concedeu-lhes
sem dificuldade o perdão dos pecados e a imediata libertação de seus sofrimentos.
O Verbo os santificou, o Espírito os confirmou; o velho homem foi sepultado nas
águas do batismo e o novo, regenerado, resplandeceu pela graça.
Que conseguimos ainda? De inimigos de Deus, nos tornamos
amigos; de estranhos, filhos; e de pagãos, santos e piedosos.
Imitemos o exemplo de Cristo como pastor. Contemplemos os
evangelhos e vendo neles, como num espelho, o exemplo de sua solicitude e
bondade, aprendamos a praticá-las.
Vejo ali, em parábolas e figuras, um pastor de cem
ovelhas que, ao verificar que uma delas se afastara do rebanho e andava sem
rumo, não permaneceu com as outras que pastavam tranquilamente. Saiu à sua
procura, atravessando vales e florestas, transpondo altos e escarpados montes,
percorrendo desertos, num esforço incansável até encontrá-la.
Tendo-a encontrado, não a castigou nem a obrigou com
violência a voltar para o rebanho; pelo contrário, tomando-a nos ombros e
tratando-a com doçura, levou-a para o aprisco, alegrando-se mais por esta única
ovelha recuperada do que por todas as outras. Consideremos a realidade oculta
na obscuridade da parábola. Nem esta ovelha nem este pastor são propriamente
uma ovelha e um pastor; são imagens de uma realidade mais profunda.
Há nesses exemplos um ensinamento sagrado: nunca devemos
considerar os homens como perdidos e sem esperança de salvação, nem deixar de
ajudar com todo empenho os que se encontram em perigo nem demorar em
prestar-lhes auxílio. Pelo contrário, reconduzamos ao bom caminho os que se
afastaram da verdadeira vida e alegremo-nos com a sua volta à comunhão daqueles
que vivem reta e piedosamente.
Sexta
feira
Segunda leitura
Do “Espelho da Caridade”, do Bem-aventurado Elredo, abade
(Séc. XI)
O amor fraterno a exemplo de Cristo
Nada nos impele tanto ao amor dos inimigos – e é nisso
que consiste a perfeição do amor fraterno – do que considerar com gratidão a
admirável paciência de Cristo, o mais belo dos filhos dos homens (Sl
44,3). Ele apresentou seu rosto cheio de beleza aos ultrajes dos ímpios;
deixou-os velar seus olhos que governam o universo com um sinal; expôs seu
corpo aos açoites; submeteu às pontadas dos espinhos sua cabeça, que faz tremer
os principados e as potestades; entregou-se aos opróbrios e às injúrias;
finalmente, suportou com paciência a cruz, os cravos, a lança, o fel e o
vinagre, conservando em tudo a doçura, a mansidão e a serenidade.
Depois, como cordeiro levado ao matadouro ou
como ovelha diante dos que a tosquiam, ele não abriu a boca (Is
53,7).
Ao ouvir esta palavra admirável, cheia de doçura, cheia
de amor e de imperturbável serenidade: “Pai perdoa-lhes! (Lc
23,34), quem não abraçaria logo com todo o afeto os seus inimigos? Pai
perdoa-lhes!”, disse Jesus. Poderá haver oração que exprima maior mansidão e caridade?
Entretanto, Jesus não se contentou em pedir; quis ainda
desculpar, e acrescentou: Pai perdoa-lhes! Eles não sabem o
que fazem! (Lc
23,34). São, na verdade, grandes pecadores, mas não sabem avaliar a gravidade
de seu pecado. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Crucificaram-me, mas não sabem a
quem crucificaram, porque, se soubessem, não teriam crucificado
o Senhor da glória (1Cor
2,8). Por isso, Pai, perdoa-lhes! Julgaram-me um transgressor da lei, um
usurpador da divindade, um sedutor do povo. Ocultei-lhes a minha face, não
reconheceram a minha majestade. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o
que fazem!
Por conseguinte, se o homem quer amar-se a si mesmo com
amor autêntico, não se deixa corromper por nenhum prazer da carne. Para não
sucumbir a essa concupiscência da carne, dirija todo o seu afeto à admirável
humanidade do Senhor. Para encontrar mais perfeito e suave repouso nas delícias
da caridade fraterna, abrace também com verdadeiro amor os seus inimigos.
Mas, para que esse fogo divino não arrefeça diante das
injúrias, contemple sem cessar, com os olhos do coração, a serena paciência de
seu amado Senhor e Salvador.
Sábado
Segunda leitura
Da Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja
no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II (Séc.XX)
As interrogações mais profundas do gênero humano
O mundo moderno apresenta-se simultaneamente poderoso e
fraco, capaz do melhor e do pior; abre-se diante dele o caminho da liberdade ou
da escravidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade e do ódio. Por
outro lado, o homem toma consciência de que depende dele a boa orientação das
forças por ele despertadas e que podem oprimi-lo ou servi-lo. Eis por que se
interroga a si mesmo.
Na verdade, os desequilíbrios que atormentam o mundo
moderno estão ligados a um desequilíbrio mais profundo, que se enraíza no
coração do homem.
No íntimo do próprio homem, muitos elementos lutam entre
si. De um lado, ele experimenta como criatura, suas múltiplas limitações; por
outro, sente-se ilimitado em seus desejos e chamado a uma vida superior.
Atraído por muitas solicitações, é continuamente obrigado
a escolher e a renunciar. Mais ainda: fraco e pecador, faz muitas vezes o que
não quer e não faz o que desejaria. Em suma, é em si mesmo que o homem sofre a
divisão que dá origem a tantas e tão grandes discórdias na sociedade.
Muitos, sem dúvida, que levam uma vida impregnada de
materialismo prático, não podem ter uma clara percepção desta situação
dramática; ou, oprimidos pela miséria, sentem-se incapazes de prestar-lhe
atenção. Outros, em grande número, julgam encontrar satisfação nas diversas
interpretações da realidade que lhes são propostas.
Alguns, porém, esperam unicamente do esforço humano a
verdadeira e plena libertação da humanidade, e estão persuadidos de que o
futuro domínio do homem sobre a terra dará satisfação a todos os desejos de seu
coração.
Não faltam também os que, desesperando de encontrar o
sentido da vida, louvam a audácia daqueles que, julgando a existência humana
vazia de qualquer significado próprio, se esforçam por encontrar todo o seu
valor apoiando-se apenas no próprio esforço.
Contudo, diante da atual evolução do mundo, cresce o
número daqueles que formulam as questões mais fundamentais ou as percebem com
nova acuidade. Que é o homem? Qual é o sentido do sofrimento, do mal e da morte
que, apesar de tão grandes progressos, continuam a existir? Para que servem
semelhantes vitórias, conseguidas a tanto custo? Que pode o homem dar à
sociedade e dela esperar? Que haverá depois desta vida terrestre?
A Igreja, porém, acredita que Jesus Cristo, morto e
ressuscitado por todo o gênero humano, oferece ao homem, pelo Espírito Santo,
luz e forças que lhe permitirão corresponder à sua vocação suprema; ela crê que
não há debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possam ser salvos.
Crê igualmente que a chave, o centro e o fim de toda a
história humana encontra-se em seu Senhor e Mestre.
A Igreja afirma, além disso, que, subjacente a todas as
transformações, permanecem imutáveis muitas coisas que têm seu fundamento
último em Cristo, o mesmo ontem, hoje e sempre.
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