TEXTOS PATRÍSTICOS: TERCEIRA SEMANA DA QUARESMA
Domingo
Segunda leitura
Dos Tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho,
bispo (Séc.V)
Veio uma mulher da Samaria para tirar água
Veio uma mulher. Esta mulher é figura da
Igreja, ainda não justificada, mas já a caminho da justificação. É disso que
iremos tratar.
A mulher veio sem saber o que ali a esperava;
encontrou Jesus, e Jesus dirigiu-lhe a palavra. Vejamos o fato e a razão por
que veio uma mulher da Samaria
para tirar água (Jo 4,7). Os
samaritanos não pertenciam ao povo judeu; não eram do povo escolhido. Faz parte
do simbolismo da narração que esta mulher, figura da Igreja, tenha vindo de um
povo estrangeiro; porque a Igreja viria dos pagãos, dos que não pertenciam à
raça judaica.
Ouçamos, portanto, a nós mesmos nas palavras
desta mulher, reconheçamo-nos nela e nela demos graças a Deus por nós. Ela era
uma figura, não a realidade; começou por ser figura, e tornou-se realidade.
Pois acreditou naquele que queria torná-la uma figura de nós mesmos. Veio para
tirar água. Viera simplesmente para tirar água, como costumam fazer os homens e
as mulheres.
Jesus lhe disse: “Dá-me de beber”. Os
discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. A mulher samaritana
disse então a Jesus: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou
uma mulher samaritana?” De fato os judeus não se dão com os samaritanos (Jo 4,7-9.)
Estais vendo que são estrangeiros. Os judeus
de modo algum se serviam dos cântaros dos samaritanos. Como a mulher trazia
consigo um cântaro para tirar água, admirou-se que um judeu lhe pedisse de
beber, pois os judeus não costumavam fazer isso. Mas aquele que pedia de beber
tinha sede da fé daquela mulher.
Escuta agora quem pede de beber.
Respondeu-lhe Jesus? “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede:
‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva (Jo 4,10).
Pede de beber e promete dar de beber.
Apresenta-se como necessitado que espera receber, mas possui em abundância para
saciar os outros. Se tu conhecesses o dom de Deus, diz ele. O dom de Deus é o
Espírito Santo. Jesus fala ainda veladamente à mulher, mas pouco a pouco entra
em seu coração, e vai lhe ensinando. Que haverá de mais suave e bondoso que
esta exortação? Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de
beber’,tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva.
Que água lhe daria ele, senão aquela da qual
está escrito: Em vós está a
fonte da vida? (Sl 35,10).
Pois como podem ter sede os
que vêm saciar-se na abundância de vossa morada? (Sl 35,9).
O Senhor prometia à mulher um alimento forte,
prometia saciá-la com o Espírito Santo. Mas ela ainda não compreendia. E, na
sua incompreensão, que respondeu? Disse-lhe então a mulher: “Senhor, dá-me dessa água, para que
eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la” (Jo 4,15). A necessidade a obrigava a
trabalhar, mas sua fraqueza recusava o trabalho. Se ao menos ela tivesse ouvido
aquelas palavras: Vinde a mim
todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos e eu vos
darei descanso! (Mt 11,28).
Jesus dizia-lhe tudo aquilo para que não se cansasse mais; ela, porém, ainda
não compreendia.
Segunda feira
Segunda leitura
Das Homilias de São Basílio Magno, bispo (Séc.IV)
Quem se gloria, glorie-se no Senhor
Não se glorie o sábio de seu saber, não se glorie o forte de sua
força, nem o rico de suas riquezas (Jr 9,22).
Qual é então o verdadeiro motivo de glória e em que consiste a
grandeza do homem? Quem se gloria – diz a Escritura – glorie-se nisto: em conhecer e compreender que eu
sou do Senhor (Jr 9,23).
A nobreza do homem, a sua glória e a sua dignidade consistem em
saber onde está a verdadeira grandeza, aderir a ela e buscar a glória que
procede do Senhor da glória. Diz efetivamente o
Apóstolo: Quem se
gloria, glorie-se no Senhor. Estas palavras encontram-se na seguinte
passagem: Cristo se tornou
para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e libertação, para que, como está
escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1Cor 1,31).
Por conseguinte, é perfeito e legítimo nos gloriarmos no Senhor
quando, longe de orgulhar-nos de nossa própria justiça, reconhecemos que
estamos realmente destituídos dela e só pela fé em Cristo somos justificados.
É nisto que Paulo se gloria: desprezando sua própria justiça,
busca apenas a que vem por meio de Cristo, ou seja, a que se obtém pela fé e
procede de Deus; para assim conhecer a Cristo, o poder de sua ressurreição e a
participação em seus sofrimentos, configurando-se à sua morte, na esperança de
alcançar a ressurreição dos mortos.
Aqui desaparece todo e qualquer orgulho. Nada te resta para que te
possas gloriar, ó homem, pois tua única glória e esperança está em fazeres
morrer tudo que é teu e procurares a vida futura em Cristo. E como possuímos as
primícias desta vida, já a iniciamos desde agora, uma vez que vivemos
inteiramente na graça e no dom de Deus.
É certamente Deus quem
realiza em nós tanto o querer como o fazer, conforme o seu desígnio benevolente (Fl 2,13). E é ainda Deus que pelo seu
Espírito nos revela a sabedoria que, de antemão, destinou para nossa glória.
Deus nos concede força e resistência em nossos trabalhos. Tenho trabalhado mais do que os outros – diz também Paulo – não propriamente eu, mas a graça de
Deus comigo (1Cor 15,10).
Deus nos livra dos perigos para além de toda esperança humana. Experimentamos, em nós mesmos, – diz ainda o Apóstolo – a angústia de estarmos condenados à
morte. Assim, aprendemos a
não confiar em nós mesmos, mas a confiar somente em Deus que ressuscita os mortos. Ele nos livrou, e
continuará a livrar-nos, de um tão grande perigo de morte. Nele temos firme esperança de que nos
livrará ainda, em outras ocasiões (2Cor
1,9-10).
Terça feira
Segunda leitura
Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo (Séc.IV)
O que a oração pede, o jejum o alcança e a misericórdia o
recebe
Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão
firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a
misericórdia.
O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe.
Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam
reciprocamente.
O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum.
Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica
somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse.
Por conseguinte, quem ora também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia.
Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de
quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre
os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas.
Quem jejua, pense no sentido do jejum; seja sensível à fome dos
outros quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem
espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça; quem
quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros
aquilo que pede para si.
Homem sê para ti mesmo a medida da misericórdia; deste modo
alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que
quiseres; basta que te compadeças dos outros com generosidade e presteza.
Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração, jejum,
misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam
para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas.
Reconquistemos pelo jejum o que perdemos por não saber apreciá-lo;
imolemos nossas almas pelo jejum, pois nada melhor podemos oferecer a Deus como
ensina o Profeta: Sacrifício agradável a Deus é um espírito penitente; Deus não
despreza um coração arrependido e humilhado (cf. Sl 50,19).
Homem oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum, para
que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva que ao mesmo
tempo permanece em ti e é oferecida a Deus. Quem não dá isto a Deus não tem
desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos.
Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia
deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos se for regado pela misericórdia, pois a
aridez da misericórdia faz secar o jejum. O que a chuva é para a terra, é a
misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo,
extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos
se não abrir as torrentes da misericórdia.
Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua
a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá
de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por
ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti
mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não
o possuirás.
Quarta feira
Segunda leitura
Do Livro A Autólico, de São Teófilo de Antioquia, bispo (Séc.II)
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus
Se me disserem: “Mostra-me o teu Deus”,
dir-te-ei: “Mostra-me o homem que és e eu te mostrarei o meu Deus”. Mostra,
portanto, como vêem os olhos de tua mente e como ouvem os ouvidos de teu
coração.
Os que vêem com os olhos do corpo, percebem o
que se passa nesta vida terrena, e observam as diferenças entre a luz e as
trevas, o branco e o preto, o feio e o belo, o disforme e o formoso, o que tem
proporções e o que é sem medida, o que tem partes a mais e o que é incompleto;
o mesmo se pode dizer no que se refere ao sentido do ouvido: sons agudos,
graves ou harmoniosos. Assim também acontece com os ouvidos do coração e com os
olhos da alma, no que diz respeito à visão de Deus.
Na verdade, Deus é visível para aqueles que
são capazes de vê-lo, porque mantêm abertos os olhos da alma. Todos têm olhos,
mas alguns os têm obscurecidos e não vêem a luz do sol. E se os cegos não vêem,
não é porque a luz do sol deixou de brilhar; a si mesmos e a seus olhos é que devem
atribuir a falta de visão. É o que ocorre contigo: tens os olhos da alma
velados pelos teus pecados e tuas más ações.
O homem deve ter a alma pura, qual um espelho
reluzente. Quando o espelho está embaçado, o homem não pode ver nele o seu
rosto; assim também, quando há pecado no homem, não lhe é possível ver a Deus.
Mas, se quiseres, podes ficar curado.
Confia-te ao médico e ele abrirá os olhos de tua alma e de teu coração. Quem é
este médico? É Deus, que pelo seu Verbo e Sabedoria dá vida e saúde a todas as
coisas. Foi por seu Verbo e Sabedoria que Deus criou o universo: A Palavra do
Senhor criou os céus, e o sopro de seus lábios, as estrelas (Sl 32,6). Sua
Sabedoria é infinita. Com a sua Sabedoria, Deus fundou a terra; com a sua
inteligência consolidou os céus; com sua ciência foram cavados os abismos e as
nuvens derramaram o orvalho.
Se compreenderes tudo isto, ó homem, se a tua
vida for santa, pura e justa, poderás ver a Deus. Se deres preferência em teu
coração à fé e ao temor de Deus, então compreenderás. Quando te libertares da
condição mortal e te revestires da imortalidade, então serás digno de ver a
Deus. Sim, Deus ressuscitará o teu corpo, tornando-o imortal como a tua alma; e
então, feito imortal, tu verás o que é Imortal, se agora acreditares nele.
Quinta feira
Segunda leitura
Do Tratado sobre a oração, de Tertuliano, presbítero (Séc. III)
O sacrifício espiritual
A oração é o sacrifício espiritual que aboliu
os antigos sacrifícios. Que me
importa a abundância de vossos sacrifícios? – diz o Senhor. Estou farto de
holocaustos de carneiros e de gordura de animais cevados; do sangue de touros,
de cordeiros e de bodes, não me agrado. Quem vos pediu estas coisas? (Is 1,11).
O Evangelho nos ensina o que pede o Senhor: Está chegando a hora, diz ele,em
que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. Deus é
espírito (Jo 4,23.24), e por
isso procura tais adoradores.
Nós somos verdadeiros adoradores e
verdadeiros sacerdotes, quando, orando em espírito, oferecemos o sacrifício
espiritual da oração, como oferenda digna e agradável a Deus, aquela que ele
mesmo pediu e preparou.
Esta oferenda, apresentada de coração
sincero, alimentada pela fé, preparada pela verdade, íntegra e inocente, casta
e sem mancha, coroada pelo amor, é a que devemos levar ao altar de Deus,
acompanhada pelo solene cortejo das boas obras, entre salmos e hinos; ela nos
alcançará de Deus tudo o que pedimos.
Que poderia Deus negar à oração que procede
do espírito e da verdade, se foi ele mesmo que assim exigiu? Todos nós lemos,
ouvimos e acreditamos como são grandes os testemunhos da sua eficácia!
Nos tempos passados, a oração livrava do
fogo, das feras e da fome; e, no entanto ainda não havia recebido de Cristo
toda a sua eficácia.
Quanto maior não será, portanto, a eficácia
da oração cristã! Talvez não faça descer sobre as chamas o orvalho do Anjo, não
feche à boca dos leões, não leve a refeição aos camponeses famintos, não impeça
milagrosamente o sofrimento; mas vem em auxílio dos que suportam a dor com
paciência, aumenta a graça aos que sofrem com fortaleza, para que vejam com os
olhos da fé a recompensa do Senhor, reservada aos que sofrem pelo nome de Deus.
Outrora a oração fazia vir as pragas,
derrotava os exércitos inimigos, impedia a chuva necessária. Agora, porém, a
oração autêntica afasta a ira de Deus, vela pelo bem dos inimigos e roga pelos
perseguidores. Será para admirar que faça cair do céu as águas, se conseguiu
que de lá descessem as línguas de fogo? Só a oração vence a Deus. Mas Cristo
não quis que ela servisse para fazer mal algum; quis antes que toda a eficácia
que lhe deu fosse apenas para servir o bem.
Conseqüentemente, ela não tem outra
finalidade senão tirar do caminho da morte as almas dos defuntos, robustecer os
fracos, curar os enfermos, libertar os possessos, abrir as portas das prisões,
romper os grilhões dos inocentes. Ela perdoa os pecados, afasta as tentações,
faz cessar as perseguições, reconforta os de ânimo abatido, enche de alegria os
generosos, conduz os peregrinos, acalma as tempestades, detém os ladrões, dá
alimento aos pobres, ensina os ricos, levanta os que caíram, sustenta os que
vacilam, confirma os que estão de pé.
Oram todos os anjos, ora toda criatura. Oram
à sua maneira os animais domésticos e as feras, que dobramos joelhos. Saindo de
seus estábulos ou de suas tocas, levantam os olhos para o céu e não abrem a
boca em vão, fazendo vibrar o ar com seus gritos. Mesmo as aves quando levantam
vôo, elevam-se para o céu e, em lugar de mãos, estendem as asas em forma de
cruz, dizendo algo semelhante a uma prece.
Que dizer ainda a respeito da oração? O
próprio Senhor também orou; a ele honra e poder pelos séculos dos séculos.
Sexta feira
Segunda leitura
Dos Comentários sobre o livro de Jó, de São Gregório Magno,
papa (Séc.VI)
O mistério da nossa vida nova
O bem-aventurado Jó, como figura da santa
Igreja, ora fala em nome do corpo, ora em nome da cabeça. Mas, às vezes, ocorre
que, quando fala dos membros, toma subitamente as palavras da cabeça. Eis por
que diz: Sofri tudo isso, embora
não haja violência em minhas mãos e minha oração seja pura (Jó 16,17).
Sem haver violência alguma em suas mãos, teve
também que sofrer aquele que não cometeu pecado e em cuja boca não se encontrou
falsidade; no entanto, pela nossa salvação, suportou o tormento da cruz. Foi
ele o único que elevou a Deus uma oração pura, pois mesmo em meio aos
sofrimentos da paixão orou por seus perseguidores, dizendo: Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o
que fazem! (Lc 23,34).
Quem poderá dizer ou pensar uma oração mais
pura do que esta em que se pede misericórdia por aqueles mesmos que infligem à
dor? Por isso, o sangue de nosso Redentor, derramado pela crueldade dos
perseguidores, se transformou depois em bebida de salvação para os que nele
acreditariam e o proclamariam Filho de Deus.
Acerca deste sangue, continua com razão o
texto sagrado: Ó terra, não
cubras o meu sangue, nem sufoques o meu clamor (Jó 16,18). E ao homem pecador foi
dito: És pó e ao pó hás de
voltar (Gn 3,19).
A terra, de fato, não ocultou o sangue de nosso
Redentor, pois qualquer pecador, ao beber o preço de sua redenção, o proclama e
louva e, como pode, o manifesta aos outros.
A terra não cobriu também o seu sangue porque
a santa Igreja já anunciou em todas as partes do mundo o mistério de sua
redenção.
Notemos no que se diz a seguir: Nem sufoques
meu clamor. O próprio sangue da redenção, por nós bebido, é o clamor de nosso
Redentor. Por isso diz também Paulo: Vós
vos aproximastes da aspersão do sangue mais eloqüente que o de Abel (Hb 12,24). E do sangue de Abel
fora dito: A voz do sangue de
teu irmão está clamando da terra por mim (Gn
4,10).
O sangue de Jesus é mais eloqüente que o de
Abel, porque o sangue de Abel pedia a morte do irmão fratricida, ao passo que o
sangue do Senhor obteve a vida para seus perseguidores.
Assim, para que não nos seja inútil o
sacramento da paixão do Senhor, devemos imitar aquilo que recebemos e anunciar
aos outros o que veneramos.
O clamor de Cristo fica sufocado em nós, se a
língua não proclama aquilo em que o coração acredita. Para que esse clamor não
seja sufocado em nós, é preciso que, na medida de suas possibilidades, cada um
manifeste aos outros o mistério de sua vida nova.
Sábado
Segunda leitura
Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo (Séc.VI)
Sirvamos a Cristo na pessoa dos pobres
Diz a Escritura: Bem-aventurados os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia (Mt
5,7). A misericórdia não é certamente a última das bem-aventuranças. Lemos
também: Feliz de quem pensa no
pobre e no fraco (Sl 40,2). E
ainda: Feliz o homem caridoso
e prestativo (Sl 111,5). E
noutro lugar: O justo é
generoso e dá esmola (Sl
36,26). Tornemo-nos dignos destas bênçãos, de sermos chamados misericordiosos e
cheios de bondade.
Nem sequer a noite interrompa a tua prática
da misericórdia. Não digas: “Vai e depois volta, amanhã te darei o que
pedes”.Nada se deve interpor entre a tua resolução e o bem que vais fazer. Só a
prática do bem não admite adiamento.
Reparte o teu pão com o faminto, acolhe em
tua casa os pobres e peregrinos (Is 58,7), com alegria e
presteza. Quem se dedica a
obras de misericórdia, diz o Apóstolo, faça-o
com alegria (Rm 12,8). Essa presteza e solicitude
duplicarão a recompensa da tua dádiva. Mas o que é dado com tristeza e de má
vontade não se torna agradável nem é digno.
Devemos alegrar-nos, e não entristecer-nos,
quando prestamos algum benefício. Diz a Escritura: Se quebrares as cadeias injustas e
desligares as amaras do jugo (Is
58,6), isto é, da avareza e das discriminações, das suspeitas e das
murmurações, que acontecerá? A tua recompensa será grande e admirável! Então, brilhará tua luz como a
aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa (Is 58,8). E quem há que não deseje a
luz e a saúde?
Por isso, se me julgais digno de alguma
atenção, vós, servidores de Cristo, seus irmãos e co-herdeiros, em todas as
ocasiões visitemos a Cristo, alimentemos a Cristo, tratemos as feridas de
Cristo, vistamos a Cristo, acolhamos a Cristo, honremos a Cristo; não apenas
oferecendo-lhe uma refeição, como fizeram alguns, não apenas ungindo-o com
perfumes como Maria, não apenas dando-lhe o sepulcro como José de Arimateia,
não apenas dando o necessário para o sepultamento como Nicodemos que dava a
Cristo só uma parte do seu amor, nem, finalmente, oferecendo ouro, incenso e
mira, como fizeram os magos, antes de todos esses. O Senhor do universo quer a
misericórdia e não o sacrifício, e a compaixão têm muito maior valor que
milhares de cordeiros gordos. Ofereçamos a misericórdia e a compaixão na pessoa
dos pobres que hoje na terra são humilhados, de modo que, ao deixarmos este
mundo, eles nos recebam nas moradas eternas, juntamente com o próprio Cristo
nosso Senhor, a quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
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